terça-feira, 31 de dezembro de 2013
GATEIROS E
CACHORREIROS. EITA RAÇA!
Normalmente
não comento sobre as manifestações dos leitores. As razões
são várias. Vão
desde a impossibilidade de responder pessoalmente a todas
as mensagens – que
são muitas – até a precaução no sentido de manter um
espaço absolutamente
democrático para que cada um se manifeste
livremente, sem correr o risco de ter
sua opinião censurada ou questionada.
Porém, dessa
vez decidi tecer mais alguns comentários a respeito da nota
sobre a Consulta
Pública da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do
Rio de Janeiro, que irá
publicar uma Lista Oficial de Espécies Invasoras.
O que me
motiva a escrever agora foi a enorme repercussão que a nota
alcançou. Foram
quase 6 mil recomendações no Facebook, mais de 150
comentários de leitores e
quase 200 réplicas no Twitter.
Poucas vezes
vi na internet um número tão grande de pessoas se
manifestando a respeito de
uma notícia. No caso da nota sobre as espécies
invasoras, tamanho alcance
deve-se principalmente ao enorme poder de
mobilização que os protetores de
animais domésticos possuem.
Eles são conhecidos popularmente como gateiros e
cachorreiros.
São pessoas que dedicam grande parte do seu tempo a causa da proteção
dos animais domésticos.
Protetores
de animais: amor de bicho não tem preço.
Essas
pessoas são capazes de sacrifícios imensos para defender aquilo
que elas
acreditam. Não existe no mundo – e digo sem medo de errar –
nenhum outro
movimento em que seus membros se envolvam tanto com
a causa que abraçam. Nenhum
grupo político ou religioso possui
integrantes dispostos a tanto sacrifício
pessoal como é o caso dos gateiros
e cachorreiros. Nenhum grupo social tem uma
capacidade de mobilização
tão forte quanto eles. É impressionante.
A sorte de
quem maltrata animais é que esse imenso grupo de protetores
ainda desconhece o
poder que tem. Pois no dia que eles se organizarem
e passarem a ter estratégias
claras de atuação, o mundo político irá tremer.
Os
protetores de animais podem arruinar uma carreira política. Podem
condenar um
produto ao fracasso e, até, causar enormes prejuízos à
empresas que insistem em
ignorá-los. Uma grande parte desse grupo de
ativistas é formada por donas de
casa. São mulheres que decidem o que
comprar em seu lar e que, com o poder de
mães, esposas e filhas,
conseguem mudar a opinião – e o voto – da família.
Para a
felicidade daqueles que ignoram os apelos desse grupo, o movimento
ainda não é
organizado. Não existem lideranças nacionais com capacidade
de mobilizar e de
conduzir uma ação uniforme em território nacional. No dia
que isso acontecer,
senadores da República e até candidatos a presidente
do país terão que estender
tapetes vermelhos para eles.
O mais
impressionante nesse grupo, além do grande poder de mobilização,
é outra
característica muito singular: grana. Ou melhor, a falta dela.
Em 25 anos de
lida diária na causa ambiental, nunca vi um “movimento social”
trabalhar sem
ganhar. Pelo contrário. Penso que os protetores de animais é
o único grupo que
tira do próprio bolso o financiamento para as suas causas.
Eles não são empregados em ONGs, não recebem bons salários, como a
grande parte dos ambientalistas profissionais, não dispõe de financiamento
público e muito menos
recebem emendas de parlamentares. O dinheiro deles
vem das “vaquinhas”, das
“rifas” e dos trocados que conseguem juntar
impondo-se algum sacrifício pessoal.
Não existem
estatísticas que mostram quantos eles são. E muito menos
existem dados oficiais
sobre quem eles são.
Mas uma boa
dica para identificar um potencial protetor é reparar em
alguns dos seus
hábitos mais comuns: possuem animais domésticos,
provavelmente mais de um.
Nas
redes sociais, seus álbuns de fotos sempre possuem a foto de um
gatinho, de um
cachorrinho, ao lado das imagens de suas famílias. Nas ruas,
seu animal de
estimação está quase sempre no colo, ou, se for grande,
sempre ostentará um
pelo brilhoso ou uma coleira da moda. Para esse
grupo, não existe diferença
social entre os animais.
Os de “raça” e os “vira-latas” são iguais, nem mais,
nem menos.
A eles, os
protetores e protetoras do Brasil, dedico minha inteira admiração
e agradeço
imensamente as lições de amor e respeito à vida, que muitas
vezes nos faltam quando somos absorvidos pelos debates “técnicos”
em nossa luta ambiental.
Obrigado.
Fonte
http://blogs.estadao.com.br/dener-giovanini/gateiros-e-cachorreiros-eita-raca/
Homenagem ao fracasso
Numa sociedade em
que o sucesso é almejado e festejado acima de tudo, onde estrelas, milionários
e campeões são os ídolos de todos, o fracasso é visto como algo embaraçoso e
constrangedor, que a gente evita a todo custo e, quando não tem jeito, esconde
dos outros. Talvez não devesse ser assim.
Semana passada, li
um ensaio sobre o fracasso no "New York Times" de autoria de Costica
Bradatan, que ensina religião comparada em uma universidade nos EUA. Inspirado
por Bradatan, resolvi apresentar minha própria homenagem ao fracasso.
Fracassamos quando
tentamos fazer algo. Só isso já mostra o valor do fracasso, representando nosso
esforço. Não fracassar é bem pior, pois representa a inércia ou, pior, o medo
de tentar. Na ciência ou nas artes, não fracassar significa não criar. Todo
poeta, todo pintor, todo cientista coleciona um número bem maior de fracassos
do que de sucessos. São frases que não funcionam, traços que não convencem,
hipóteses que falham. O físico Richard Feynman famosamente disse que cientistas
passam a maior parte de seu tempo enchendo a lata de lixo com ideias erradas.
Pois é. Mas sem os erros não vamos em frente. O sucesso é filho do fracasso.
Tem gente que acha
que gênio é aquele cara que nunca fracassa, para quem tudo dá certo, meio que
magicamente. Nada disso. Todo gênio passa pelas dores do processo criativo,
pelos inevitáveis fracassos e becos sem saída, até chegar a uma solução que
funcione. Talvez seja por isso que o autor Irving Stone tenha chamado seu
romance sobre a vida de Michelangelo de "A Agonia e o Êxtase". Ambos
são partes do processo criativo, a agonia vinda do fracasso, o êxtase do senso
de alcançar um objetivo, de ter criado algo que ninguém criou, algo de novo.
O fracasso garante
nossa humildade ao confrontarmos os desafios da vida. Se tivéssemos sempre
sucesso, como entender os que fracassam? Nisso, o fracasso é essencial para a
empatia, tão importante na convivência social.
Gosto sempre de
dizer que os melhores professores são os que tiveram que trabalhar mais quando
alunos. Esse esforço extra dimensiona a dificuldade que as pessoas podem ter
quando tentam aprender algo de novo, fazendo do professor uma pessoa mais
empática e, assim, mais eficiente. Sem o fracasso, teríamos apenas os
vencedores, impacientes em ensinar os menos habilidosos o que para eles foi tão
fácil de entender ou atingir.
Claro, sendo os
humanos do jeito que são, a vaidade pessoal muitas vezes obscurece a memória
dos fracassos passados; isso é típico daqueles mais arrogantes, que escondem
seus fracassos e dificuldades por trás de uma máscara de sucesso. Se o fracasso
fosse mais aceito socialmente, existiriam menos pessoas arrogantes no mundo.
Não poderia
terminar sem mencionar o fracasso final a que todos nos submetemos, a falha do
nosso corpo ao encontrarmos a morte.
Desse fracasso
ninguém escapa, mesmo que existam muitos que acreditem numa espécie de
permanência incorpórea após a morte. De minha parte, sabendo desse fracasso
inevitável, me apego ao seu irmão mais palatável, o que vem das várias
tentativas de viver a vida o mais intensamente possível. O fracasso tem gosto
de vida.
Marcelo Gleiser é
professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É
vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação
Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de
"Ciência".
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