Homenagem ao fracasso
Numa sociedade em
que o sucesso é almejado e festejado acima de tudo, onde estrelas, milionários
e campeões são os ídolos de todos, o fracasso é visto como algo embaraçoso e
constrangedor, que a gente evita a todo custo e, quando não tem jeito, esconde
dos outros. Talvez não devesse ser assim.
Semana passada, li
um ensaio sobre o fracasso no "New York Times" de autoria de Costica
Bradatan, que ensina religião comparada em uma universidade nos EUA. Inspirado
por Bradatan, resolvi apresentar minha própria homenagem ao fracasso.
Fracassamos quando
tentamos fazer algo. Só isso já mostra o valor do fracasso, representando nosso
esforço. Não fracassar é bem pior, pois representa a inércia ou, pior, o medo
de tentar. Na ciência ou nas artes, não fracassar significa não criar. Todo
poeta, todo pintor, todo cientista coleciona um número bem maior de fracassos
do que de sucessos. São frases que não funcionam, traços que não convencem,
hipóteses que falham. O físico Richard Feynman famosamente disse que cientistas
passam a maior parte de seu tempo enchendo a lata de lixo com ideias erradas.
Pois é. Mas sem os erros não vamos em frente. O sucesso é filho do fracasso.
Tem gente que acha
que gênio é aquele cara que nunca fracassa, para quem tudo dá certo, meio que
magicamente. Nada disso. Todo gênio passa pelas dores do processo criativo,
pelos inevitáveis fracassos e becos sem saída, até chegar a uma solução que
funcione. Talvez seja por isso que o autor Irving Stone tenha chamado seu
romance sobre a vida de Michelangelo de "A Agonia e o Êxtase". Ambos
são partes do processo criativo, a agonia vinda do fracasso, o êxtase do senso
de alcançar um objetivo, de ter criado algo que ninguém criou, algo de novo.
O fracasso garante
nossa humildade ao confrontarmos os desafios da vida. Se tivéssemos sempre
sucesso, como entender os que fracassam? Nisso, o fracasso é essencial para a
empatia, tão importante na convivência social.
Gosto sempre de
dizer que os melhores professores são os que tiveram que trabalhar mais quando
alunos. Esse esforço extra dimensiona a dificuldade que as pessoas podem ter
quando tentam aprender algo de novo, fazendo do professor uma pessoa mais
empática e, assim, mais eficiente. Sem o fracasso, teríamos apenas os
vencedores, impacientes em ensinar os menos habilidosos o que para eles foi tão
fácil de entender ou atingir.
Claro, sendo os
humanos do jeito que são, a vaidade pessoal muitas vezes obscurece a memória
dos fracassos passados; isso é típico daqueles mais arrogantes, que escondem
seus fracassos e dificuldades por trás de uma máscara de sucesso. Se o fracasso
fosse mais aceito socialmente, existiriam menos pessoas arrogantes no mundo.
Não poderia
terminar sem mencionar o fracasso final a que todos nos submetemos, a falha do
nosso corpo ao encontrarmos a morte.
Desse fracasso
ninguém escapa, mesmo que existam muitos que acreditem numa espécie de
permanência incorpórea após a morte. De minha parte, sabendo desse fracasso
inevitável, me apego ao seu irmão mais palatável, o que vem das várias
tentativas de viver a vida o mais intensamente possível. O fracasso tem gosto
de vida.
Marcelo Gleiser é
professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É
vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação
Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de
"Ciência".
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